30 dezembro 2016

Da felicidade como ausência de infelicidade

Penso que terá sido Lili Caneças a afirmar: estar vivo é o contrário de estar morto. Confesso que não sei, e para o caso pouco me interessa saber, onde e em que circunstâncias foi proferida a frase. Aproveito-a, apenas. Um dia, em conversa com um amigo cujas amizade e inteligência me parecem insuspeitas, talvez se tenha falado de felicidade, do que isso era para cada um de nós - tocar a vida dos outros, saltar e sonhar, uma casa branca de um piso só com janelas encarnadas, e por aí em diante. Talvez ele me tenha dito algo que poderia resumir-se à ideia de que ser-se feliz é não ter doenças, zangas, desgostos etc. Achei, na altura, uma visão algo triste da felicidade: faltava-lhe rasgo, audácia, arrojo, impacto na vida do próximo. 

Um destes dias voltei a estar com este meu amigo. Falámos da vida, de um caso específico que magoa, diminui e preocupa os envolvidos. Depois, já de chave na mão para nos despedirmos, falámos a correr de gente à nossa volta, amigos próximos com infâncias muito difíceis, mortes chegadas dolorosas e abruptas, problemas profissionais que deitam abaixo os mais resistentes, futuros muito interrogados, filhos a suscitarem preocupações. Tudo isto se resumiria numa frase demolidora: conheces alguém sem problemas? Olho metaforicamente em meu redor. Conheço poucos, de facto. Talvez um ou outro (ou uma ou outra) a quem a vida correu fagueira. Na generalidade dos casos as vidas são difíceis - aqui e ali muito difíceis.

Estar vivo é o contrário de estar morto? Ser feliz é não ter infelicidade? Repito: gostava de ter uma visão mais arrojada da felicidade. Gostava de imaginar a diferença na vida dos outros, o atingimento dos sonhos, a concretização de projectos, mas olho em meu redor e parece-me que toda a gente deseja apenas uma vida sem problemas. A normalidade da vida, como me disse uma colega atacada por um cancro. Um desejo, não só dos que são vítimas de problemas (alguns dos quais totalmente inesperados e injustos) mas também os que os criam, nem sempre percebendo que a vida pode ser simples, descomplicada, gozosa. 

Em A Conquista da Felicidade, Bertrand Russell disserta sobre nove causas para a infelicidade das pessoas: a infelicidade byroniana, o espírito de competição, o aborrecimento e a agitação, a fadiga, a inveja, o sentimento de culpa, a mania da perseguição, o medo da opinião pública. Na segunda parte do livro  - As Causas da Felicidade – Russel espraia-se sobre aquilo que nos daria felicidade: o gosto de viver, a afeição, a família, o trabalho, os interesses impessoais, o esforço e a resignação. O livro tem quase 90 anos, pelo que muito se poderia juntar às causas que nos provocam felicidade e a sua inversa - o stress, a correria, a caridade, o enriquecimento espiritual ou intelectual, a falta de sentido para a vida ou o sentido para vida. Temo que a maioria das pessoas, por um motivo que, de tão injusto é quase difícil de perceber, me acrescentasse um factor determinante para a conquista da felicidade - não ter nada que nos faça infeliz...

A todos os meus leitores ou colunistas, detentores de vidas fagueiras ou difíceis, vítimas de problemas ou causadores de problemas, um Bom Ano de 2017. Um ano feliz - e não apenas desprovido de infelicidade.

JdB


1 comentário:

aritnetoj disse...

Obrigada João,
Desejo-lhe um ano com esse desejo de ser feliz, essa vontade de aceitar aquilo que lhe vai acontecendo e transformá-lo de forma construtiva.
Beijinhos

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