07 janeiro 2020

Textos dos dias que correm

Porque, enfim, para quê o viajar? Todos os filósofos e todos os donos de hotéis são unânimes em dizer que se viaja para ver o que há de interessante no mundo. Ora, no mundo, só há de interessante, verdadeiramente, o Homem e a Vida. Mas para gozar a vida duma sociedade, é necessário fazer parte dela e ser um actor no seu drama: de outro modo, uma sociedade não é mais do que uma sucessão de figuras sem significação que nos passa diante dos olhos: Quando falo de sociedade não me refiro àquela que vem no High Life do Ilustrado: refiro-me às Sociedades, no plural e com S grande. Já o bom Flaubert falava da «melancolia das multidões estranhas». Essa melancolia é a mesma que se sente em vir de longe, para olhar para uma porta fechada. Quem for de Marco de Canavezes e queira gozar a vida, que fique em Marco de Canavezes, na Assembleia, na botica, e nos chás das Macedos! Se vier a Hyde Park ou aos Champs Elysées, vê só a Vida por fora, nos seus contornos exteriores.

É como estar a mirar as paredes escuras de um teatro, onde se está a passar, por dentro e em grande luz, uma interessante comédia. Por isso, nós, os Portugueses, pessoas infinitamente filosóficas, chamamos ao viajar: andar por fora. Expressão perfeita e profunda. Andar por fora, que melancolia, que desconsolação, quando estar por dentro é que é o interessante! Dir-me-ão os donos dos hotéis e as companhias de caminhos de ferro que é necessário ir ver a Civilização. De acordo. Mas o que é a civilização de Paris? É o romance de Zola, e a descoberta de Pasteur, e o bom dito de Rochefort: e isso tudo vai ter connosco, onde quer que estejamos, pelo paquete. A melhor maneira de gozar a civilização, é ao canto do lume, de chinelas. Dir-me-ão ainda os donos dos hotéis que se devem admirar os monumentos e que Notre-Dame e Westminster são um elemento de educação. De acordo, estalajadeiros, de acordo! Para isso se inventou a fotografia. E, em resumo, meu querido Bernardo, grande foi a tua sabedoria em não querer andar por fora.

Eça de Queirós, in 'Correspondência'

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