22 novembro 2012

Crónicas de um universitário tardio

Cumprem-se, por agora, aproximadamente dois meses desde que comecei a pós-graduação. A quem se interessa pelo meu grau de entusiasmo respondo, invariavelmente, que não posso estar a gostar mais. Dada a minha provecta idade, quiçá excessiva para estes devaneios universitários, talvez deixem de indagar. No fundo, é como se tivéssemos um amigo já entradote, loucamente apaixonado por uma brasileira de porto de galinhas com rabo generoso, mão dengosa e idade juvenil a quem já não quiséssemos perguntar nada, por pudor do confronto com a alegria senil.

Devo esta experiência à pcp, que me desafiou, entendendo - e bem! - que seria benéfico para o meu intelecto e para a minha escrita. Devo-o também a quem, mais próximo de mim, me incentivou e me ajudou a atravessar os caminhos de uma linguagem hermética com mão paciente e mente ágil. No outro dia, um amigo seguro, com quem costumo almoçar, elogiava o facto de eu ter querido sair da minha zona de conforto. Do ponto de vista do desafio intelectual, poucas coisas me têm dado tanta satisfação nos últimos tempos. Ficam os agradecimentos a quem de direito.

Esta temporada tem sido fortemente enriquecedora, apesar da confusão que me faz alguma desorganização universitária, as salas de aula acanhadas e os temas que nem sempre domino. Não obstante o nome da pós-graduação - Artes da Escrita - até agora ninguém me ensinou a escrever, partilhou comigo regras da boa sintaxe, acrescentou palavras novas ao meu limitado vocabulário. Como partilhei um destes dias com o meu querido amigo ATM, têm-me ensinado a ler e a pensar. Ao longo destas semanas li autores que nunca lera, autores de cuja existência desconhecia, autores que tentarei conhecer melhor. Ao longo destas semanas travei conhecimento com ensaios sobre temas tão prosaicos como o bife e as batatas fritas (Barthes) ou sobre temas - o Nautilus, de Júlio Verne (também de Barthes) - que acenderam luzes dentro de mim e de outras pessoas. Num repente olhamos para dentro de nós próprios e interpretamos características de forma totalmente diversa. Pelo meio li textos - sobre o rizoma (Deleuze e Guattari), por exemplo - com cujo primeiro parágrafo travei uma luta que perdi.

Até ao final do semestre esperam-me tarefas árduas: a redacção de dois ensaios e a preparação de um trabalho, para a cadeira de Poéticas Contemporâneas, sobre um tema relacionado com o que temos vindo a dar. Durante uma semana a mente esvaziou-se de ideias. Queria algo relacionado com fábricas, área onde tenho uma competência de 20 anos que deveria servir para alguma coisa. Numa conversa de fim de tarde, ao deambular sem roteiro pelas minhas dúvidas, acenaram-me com a materialização do que era vago. Falaram-me do dispositivo panóptico. Não sabem o que é? Também eu não sabia... Agora tenho livros e textos para ler e sobre os quais meditar. Antes da meditação vem a compreensão, que é a actividade mais desafiante. A fábrica do futuro à luz do dispositivo panóptico. Ou coisa assim.

No fundo é isto...

JdB          

5 comentários:

ACC disse...

"Atira-te aos livres e diz que tempurrarem" (versão adapatada)

Gosto de ler o seu entusiasmo e aposto que o volteio pelo pós-modernismo vai ajudá-lo a apreender o mundo ainda melhor.
Os seus leitores agradecerão.

LA disse...

Nao te preocupes com os paragrafos com os quais perdes uma luta porque esta guerra esta's a ganhar. E' espantoso como o conteudo desses paragrafos a's vezes fazem geito quando mesnos se espera!

Anónimo disse...

Obrigada pelos agradecimentos, JdB. Foi uma mera intuição: sabendo que gosta (e sabe) escrever, lendo o conteúdo da pós-graduação, sabendo que era na Nova, que tinha bons professores e um misto de prático e teórico, tinha (quase) a certeza que iria gostar. Fico muito contente por saber que "não podia estar a gostar mais". Até certo ponto sinto-me "responsável" por tê-lo desafiado... Até amanhã. Agora vou estudar. Bjs. pcp

arit netoj disse...

Que boas notícias João!
Continue a entregar-se e a aproveitar até ao tutano!
É tão bom dar-nos esta esperança que podem sempre haver novos recomeços...
Beijinhos

Maf disse...

Aprenda o que tiver que aprender, melhore o que tiver que melhorar, mas não perca nunca o jeito "jingão" (é assim que se escreve?) e irreverente da sua escrita. Vocábulos novos ... são uma chatice .... obrigam-nos a ir ao diccionário :-)Gosto de ler a suas cronicas, os seus posts, os seus romances e, sem veleidades, reconheço a sua autoria nas 2 primeiras frases de qualquer post (sem ter que ir espreitar a assinatura). Keep going, you'll get it all. Bj
Maf

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