Fruto de questões prosaicas, há uma característica que domina parte das minhas viagens de hoje em dia: a repetição. Numa dada altura a bazófia dominava a coisa - e invento, embora seja tudo verdade: já fui três vezes ao Rio de Janeiro, sete vezes (?) a Londres, três a Roma e a Madrid, já passei o ano em três continentes, etc. Havia uma espécie de contabilidade pateta, assente na alegria efémera de ter um passaporte minado de carimbos.
Hoje dou por mim a pensar no que vejo e que não vi da primeira vez, no que vejo de forma diferente, nas sensações que me invadem e que são filhas da minha história de vida. Já uma vez, penso eu, fiz o exercício neste estabelecimento: como vemos a cidade mais feia do mundo se estivermos invadidos de uma enorme felicidade; como vemos a cidade dos nossos sonhos no martírio de um desgosto profundo? Badajoz é lindo visto por um coração que sorri? Roma perde a beleza perante uns olhos que choram? Veneza é sempre triste quando os amores morrem?
Há cerca de duas semanas repeti Istambul, onde tinha estado a seguir ao Natal de 2007. Do ponto de vista mais "cerebral", não vi uma cidade muito diferente, pese embora a primeira vez ter sido em Dezembro e a segunda em Junho. Talvez estivesse mais limpa, mas não afianço. Alguns monumentos estão semi-fechados devido a obras de reconstrução. Nesse sentido restrito talvez tenha visto menos. Por outro lado, fiz duas viagens tipo hop on - hop off (fruto da generosidade de uma americana que nos abordou num fim de tarde modorrento para oferecer dois bilhetes) pelo que, por esse prisma, vi mais...
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Hagia Sophia, Istambul, Junho de 2014 |
O meu tempo interior deu-me uma atenção especial a pormenores - e também já aqui falei do Barthes e do punctum. Dizem-me que as minhas fotografias são do topo de um telhado, da sombra de um sino, do final de uma escada ou de umas arcadas. Agora coibi-me... Da viagem fotografada retiro uma metáfora, aqui plasmada numa fotografia - embora de má qualidade - tirada na Hagia Sophia. Lado a lado, um símbolo cristão e um outro muçulmano. Vi esta imagem há quase sete anos. Voltei a vê-la agora, mas a metáfora assomou-me num instante ao coração, neste Junho mais turco. Ali, naquele templo dedicado à sabedoria, duas dimensões aparentemente antagónicas vivem em conjunto há séculos.
É relevante? Não sei. Há muito que deixei de considerar importantes os meus pensamentos fugidios. Talvez o encanto das coisas esteja aí: vermos o que só nos vemos, encontrarmos uma beleza que só nós descortinamos, fixarmos uma sombra, uma mancha, duas imagens lado a lado e entendermos que parte da chave para decifrar o mundo está aí.
Talvez esteja a ficar mais críptico, ou apenas maçador, sei lá eu...
JdB
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