16 fevereiro 2018

Do ADN



Carlos é cubano. Quando lhe perguntam o que não queria ser, se lhe detectassem as origens, era dominicano, argentino, francês. Quando lhe analisam o ADN, e recuam dois mil anos, Carlos percebe que tem "sangue" de países que não sabe o que são - não é não saber onde ficam, é não conhecer sequer a palavra. 

Carlos está pendurado numa ignorância legítima - a de que, olhando para a cor da pele, é dali de onde é, talvez como um bocadinho de algo parecido, nunca nada radicalmente diferente, menos ainda de locais cuja palavra é um neologismo no vocabulário dele. Entre a certeza, o gosto e um misto de desilusão e emoção há um fio de cabelo. É assim com a nossa genealogia. Falarmos numa característica que é muito da "nossa" família pode ser uma ilusão potencialmente destruidora. Todo o nosso mundo genealógico está assente em algo fino, que é sermos filhos de quem somos, que eram filhos de quem eram, que eram filhos de quem eram e assim sucessivamente. Só que, e este "só que" é mais frequente do que poderia parecer, há alguém, nesta corrente familiar, que não é filho de alguém, mas filho de outro alguém - um criado, uma criada, uma prima, um desconhecido. 

A nossa genealogia, como a genealogia geográfica do Carlos, pode não ser mais do que um desejo. Sermos filhos de, que era filho de que, era filho de e que, por isso nos torna descendentes de um papa, de um santo, de um pirata do mar báltico ou de uma princesa egípcia. Tudo se esfuma com uma análise de ADN - um bocado de cuspo arrastado por um esfregaço ou vertido num tubo de ensaio, pode ser o fim de uma ilusão - não somos descendentes de um rei, mas talvez do bobo que animava o rei... No caso do Carlos, ser descendente do que não sabia que existia.

JdB

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