09 fevereiro 2018

Dos mistérios



Volto ao tema e ao filme, pois sou um descrente da ideia de que não podemos voltar aos sítios onde fomos felizes. Sou feliz a ver o filme, não pelo filme em si, mas porque vejo a Gwyneth Paltrow e oiço, por duas vezes (para meu grande gáudio imerecido) a frase redentora que hoje aqui me traz. Neste trecho que aqui apresento, é aos 1'30". Mas já fora antes, numa situação igualmente bicuda: I don't know, it's a mistery. Mistério, essa palavra que para os gregos significava cerimónia secreta.

Llorca, o malogrado poeta espanhol, entrou-me esta semana em casa pela pena sempre inquietante (para adjectivar benevolamente) de António Lobo Antunes. E cita ele o poeta: solo el misterio nos hace vivir. Sólo el misterio. O bom senso mandará que não se ligue levianamente Llorca a Shakespeare, embora não consiga dizer exactamente porquê. Só que, neste caso, ligo Llorca a uma frase de um personagem, pelo que serei perdoado pela minha ligação aparentemente impossível, hábito que fui adquirindo e que foi apreciado por quem achava, ingenuamente, que ler-me era aprender. Talvez fosse apenas aprender-me, e mesmo isso foi chão que deu uvas. 

Volto ao tema.

Por duas vezes o personagem do filme se confronta com situações aparentemente irresolúveis. E pelas mesmas duas vezes responde quando lhe perguntam como tudo se resolverá: não sei, é um mistério. E este personagem - digo eu, que não sei exactamente se existiu - leria Llorca uns séculos mais à frente, percebendo que era o tal mistério, o que resolvia tudo, que justificava a vida. Melhor, que era a única motivação para a vida. 

A confiança no mistério da vida é o exercício da confiança na vida. A frase não é uma espécie de anagrama incompleto, apenas um jogo de palavras que exprime o essencial, aqui e agora. O personagem não sabe como tudo se resolve, mas o facto é que se resolve. Há peça, quando parecia não haver dinheiro, e há Julieta, não um canastrão com voz aflautada e barba disfarçada, mas a Gwyneth Paltrow, essa mulher cujo encanto é, para mim, uma cerimónia secreta. Se ela é muito bonita? Não sei - é melhor. 

A vida é um mistério - porque nos apaixonamos, porque nos desapaixonamos, como resolvemos alguns problemas complexos e bloqueamos a resolução de outros mais. Tuo aquilo porque vale a pena viver é esse mistério, e nada mais do que o mistério. Como qualquer mortal, há alturas em que o mistério é uma montanha inexpugnável, e o que eu queria, mesmo, era saber o caminho que me leva à glória. E não, não seria com a Gwyneth, entretida a ser odiada pela comunidade dos seus pares.

JdB  

   

Sem comentários:

Acerca de mim

Arquivo do blogue