10 março 2017

Textos dos dias que correm

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Perdi-te, mas procuro-te

A Igreja é um grande hospital ao serviço 24 horas sobre 24 há dois mil anos. Um hospital ao serviço para todos. Para quem tem um seguro e para quem não o tem. Para os ricos e para os que nada têm. Para gente famosa e para gente desconhecida e marginal. Um grande hospital em que se enfrenta cada doença, por muito avançada que esteja, por infeciosa e mortal que seja. Um grande hospital em que se entra doente e se sai curado, como a mulher com hemorragia. Entra-se perseguidor e sai-se apóstolo, como Paulo. Entra-se pecador e sai-se santo, como Santa Maria Egizíaca. Entra-se lobo e sai-se cordeiro, como S. Moisés, o Etíope. Entra-se cadáver em decomposição e morto há quatro dias, e ressuscita-se, como Lázaro. Porque na Igreja não há morte. Não há mortos. A Igreja é a terra dos vivos, onde há vida e sobreabundância de vida, isto é, Cristo.

A Igreja oferece há séculos os seus próprios medicamentos, de modo a salvar o mundo; há séculos ela própria tem resultados miraculosos: gera santos. Em nenhum outro lugar, onde quer que seja, nascem santos, a não ser na Igreja. Noutros lugares encontramos pessoas boas, santos não. Porque os santos, homens como nós, que connosco partilham enfermidades e doenças, entraram na Igreja e entregaram-se sem reservas às diretivas do médico. E Cristo, que não só é médico mas também pai, entrega-se a quantos se lhe entregaram. Inclina-se sobre eles amorosamente, totalmente, como só Ele sabe; conforta, assiste, cura, santifica e glorifica. O Cristo misericordioso faz-se tudo para todos para salvar o homem.

A Igreja, mesmo se a renegamos, continua uma mãe que anseia por recolher os seus filhos. Anseia e espera, na esperança de que nós, mesmo depois de muitos anos, a ela voltemos. Mas o nosso regresso à Igreja pressupõe uma consciência, que não é vazia. Há um Pai que nos ama fielmente, de maneira inalterável para sempre. Qualquer que seja o estado em que nos apresentemos, qualquer que seja o lugar de onde somos provenientes, por quão dissolutos que possamos ter sido, há um Pai que saiu ao caminho e nos espera.

Se conseguíssemos dizer às pessoas esta única poderosa e consoladora verdade: que na Igreja dás lágrimas e recebes remissão; que Cristo não se ocupa dos nossos pecados mas do nosso arrependimento. Se conseguíssemos dizer aos jovens para não hesitarem, qualquer que seja a maneira como viveram, a regressar à Igreja. Porque a Igreja é mãe e, quando a ela voltamos, não pergunta para saber o que fizemos, mas olha-nos nos olhos para ver o que sofremos, a que farrapos fomos reduzidos. A vida da Igreja e o seu amor por nós não dependem nem da nossa miséria nem da nossa santidade, mas de Cristo.

Se conseguíssemos dizer aos nossos filhos que o sacerdote, qualquer que seja, é capaz de fazer aquilo que nem sequer os anjos podem fazer: a divina liturgia. Ou seja, ele faz descer Deus à Terra. Faz descer a Mãe de Deus. Faz descer milhares de anjos que se aglomeram ali, no templo, mas que nós não temos olhos para ver. Esta é a divina liturgia. Homens e anjos e santos juntos. Vivos e defuntos, avós e bisavós, os crentes de todos os séculos. Todos membros de Cristo. Corpo de Cristo. Ossos de Cristo. Contigo que amo e contigo que negligencio. Com os familiares e com os inimigos. Todos um só corpo. Isto acontece em cada liturgia. Isto acontece na Igreja. Para nós. Esta é a Igreja. Mãe de uma força ilimitada, de um alcance ilimitado. Basta que nos confiemos a ela. (...)

Vivemos em tempos extremos. O rio parece não ter retorno. O pecado multiplicou-se à desmesura, e disso todos somos culpados. Sentimo-nos inocentes, mas não o somos. Todos temos uma quota de responsabilidade, mesmo se não o queremos reconhecer. Por isto chora a Igreja.

Se não nos arrependermos nunca amaremos como ama quem obteve misericórdia, nem nunca compreenderemos como ama a Igreja. Há a história de uma mãe viúva que perdeu a sua filha adolescente. Tinha ido para a capital e vivia de forma bastante livre, em casas de prazer. Era impossível encontrá-la. Desesperada, a mãe fez várias cópias de uma fotografia sua e por baixo escreveu: Filha minha, perdi-te, mas não te esqueci. Filha minha, perdi-te, mas procuro-te». A mãe colou-a junto às casas de má reputação. Um dia, anos depois, a jovem, entrando numa dessas casas, encontrou-se diante da fotografia da sua mãe. E pela primeira vez, depois de anos, no seu coração deserto abriu-se uma fenda e começaram a jorrar lágrimas. Pela primeira vez, depois de anos, os olhos da filha rebentaram de pranto. Pela primeira vez, depois de anos, recordou-se da sua origem, da mãe que a tinha gerado, e regressou, para nunca mais sair.

É isto que também a Igreja tem feito por nós. Colocou em todo o lado a sua fotografia: o ícone, o campanário, o Evangelho, o confessor, a estola santa. Colocou em todo o lado a sua fotografia e diz, também a nós, as mesmas palavras: «Filho meu, perdi-te, mas não te esqueci. Filho meu, perdi-te, mas procuro-te». Na esperança que também o nosso coração de pedra abra uma fenda. Na esperança de que os nossos olhos, ressequidos pela "esclerose do coração", infundam lágrimas. Na esperança de que regressemos à verdadeira mãe. À mãe que salva, tem compaixão e bendiz o mundo. Esta é a Igreja dos apóstolos. Esta é a Igreja dos Padres. Esta é a Igreja dos santos. É esta Igreja que tem sustentado o universo.


Maria Mourzà
Cristã ortodoxa ligada espiritualmente ao Monte Athos
In "L'Osservatore Romano", 8.3.2017
Trad.: SNPC
Publicado em 08.03.2017

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