09 novembro 2009

O consultor

O nome dele surgiu por puro acaso num jantar social. Há instantes que são marcantes, porque determinam o fluxo de uma conversa que parece inexistir na mente dos interlocutores. Num minuto, o Rúben era alguém que não fazia parte das probabilidades de conversa; num repente, alguém menciona o seu nome a propósito de uma ninharia e já toda a gente o conhecia, afadigando-se em comentários que gravitam entre a curiosidade e o elogio.

Ninguém sabe exactamente de onde veio este homem dos seus quarenta anos, engenheiro de formação, com uma cabeleira longa e loira toda penteada para trás. Olhando para ele, poderia sugerir-se um encontro fortuito num espectáculo de música alternativa, numa peça de teatro levada à cena por um grupo rebelde, numa exposição de pintura que olha para o abstracto com um ar de ligeiro enfado, porque a entende demasiado conservadora.

Mas o Rúben, por mais estranho que possa parecer, surgiu na Igreja. Ao princípio sentava-se na penumbra de um lugar discreto, tendo avançado posteriormente para o centro do palco, se assim se pode dizer sem que o desrespeito atinja foros de exagero. Ao fim de algumas semanas, este homem das ciências, a trabalhar numa empresa de consultoria, oferecia-se para a segunda leitura dominical, cujas características próprias casam melhor com uma voz masculina.

Um fiel novo na casa de Deus é sempre motivos de alegria. Ninguém conhecia o passado do Rúben, e ninguém falava nisso, como se fosse um tema de conversa que devesse ficar na meia-luz de uma qualquer reserva. Há vidas que não queremos esmiuçar, e essa decisão é uma entremeada composta pelo respeito da privacidade alheia e pelo temor da caixa de Pandora.

O Rúben tornou-se conhecido pela disponibilidade para ajudar, pela farta gaforina e, também, pela presença repetida nos vários serviços dominicais. Era visto na missa das nove e das dez, ou do meio-dia e meia e das seis da tarde, ou das onze e das treze. O Rúben era visto, e esta expressão não é apenas o arrumar livre de palavras singelas. Ele era, de facto, visto, porque não passava despercebido. Para completar este ramalhete de características, o Rúben era simpático, conversador, discreto mas presente, exaustivamente democrático nos seus contactos, pois falava com toda a gente por igual, fossem ricos e pobres, condes e operários, padres e leigos, cultos e ignorantes. Como se tivesse o gene da abertura humana no seu esplendor, ou como se lhe faltasse a enzima que, em todos nós, faz marcar a diferença com que olhamos os outros e materializamos a abordagem.

Toda a gente gostava do Rúben, e não hesitavam em lhe manifestar esse apreço. Apreciavam-lhe a educação e a disponibilidade, a afabilidade e a prontidão, a generosidade e o sorriso. E o Rúben sorria numa humildade contida, como se todos os elogios fossem um exercício de um exagero de generosidade imerecida e embaraçante.

Nota: Continua na semana que vem

JdB

4 comentários:

Anónimo disse...

Será que este senhor tão composto se vai transformar num serial killer? ... Cant' wait. pcp

cris disse...

JdB,

Será mais um a redimir-se das visitas frequentes à "Lanterna"?

Mas cá para mim, ele deve, como o pcp diz, ser uma figura muito enigmática.

Pois, o seu Bairró, é unico....

Luísa A. disse...

Temos de esperar uma semana para desvendar o segredo do Rúben, João? Descansa-me, em todo o caso, pressentir que não há no Rúben e na sua assiduidade aos serviços dominicais, vestígio da ambição do queiroziano Teodorico relativamente aos dinheiros da sua titi. :-)

JdB disse...

pcp, Cris, Luísa; obrigado pela vossa visita. Pois teremos de esperar uma semana para saber quem é o verdadeiro Rúben, embora se aceitem palpites.
O Raposão era de outro calibre, Luísa, e rondava mais a camisa de noite da Maricoquinhas do que o incenso do altar.

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