13 abril 2011

O dono das estrelas

Contava-se que o velho se tinha ido da mesma maneira que veio. Ou que chegou do mesmo modo que partiu. Ninguém sabia bem qual dos dois. Podia ser qualquer um. Isto porque nada se sabia sobre ele. Apenas que passava os dias na praia. De dia, no mar ou em cima daquela rocha de esquina que parece um cotovelo. De noite, deitado na areia, a brilhar mais do que o céu de Agosto.

Ninguém sabia o seu nome. É até possível que não tivesse um. Quando lhe faziam esta pergunta, o velho respondia que o mar não precisava de um nome para o chamar. Quando falava, sabia que era para ele.

Também não se sabia a sua idade. As barbas compridas e a pele enrugada faziam adivinhar um número já avançado. Mas a energia e o vigor com que todos os dias subia e descia as rochas, trazia lenha para a fogueira e corria o areal deixavam a impressão de se tratar de um jovem em pico de forma.

Se ninguém se lembra da sua chegada, pode dizer-se que o velho vivia na praia desde sempre? Mais ainda, se ninguém sabe nada sobre o seu nascimento, pode dizer-se que o velho vivia desde sempre, desde o princípio? A opinião dos que se cruzavam com ele era que sim, que este homem existia desde que o nada se tornou em algo. Desde que a primeira onda caiu na rocha, arrancando dela o primeiro grão da areia da praia.

Só assim se explicava que o velho soubesse o número exacto de grãos de areia que estavam no areal. Que conhecesse pelo nome todas as estrelas. Onde estavam antes, qual o percurso que iam seguir, onde iam parar para morrer. Para ele as constelações não tinham segredos, eram famílias que existiam há tanto tempo como ele. Só uma pessoa que existe desde o princípio consegue afirmar, sem dúvida nenhuma, quantas ondas se seguiram aquela primeira que morreu na rocha.

Voltando agora ao início do texto, de um dia para o outro o velho, tão antigo e real como a praia, deixou de existir. E este seu fim foi tão intrigante como o princípio. Ninguém sabe para onde foi, como ou porquê. Apenas que desapareceu. E com ele, as estrelas e as ondas, que terá levado como bagagem para o seu novo princípio.

SdB (III)

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