Tivesse eu uma namorada chamada paloma e era isto que lhe oferecia. Nada de flores, nem joias, nem perfumes de frança, nem viagens aos trópicos. Era isto, cucurucucu e lalala, e esquecíamos os jantares finos, os champanhes de fim de tarde, os caviares ao anoitecer com vista sobre a cidade, os casacos de peles falsas de animais que são mortos. Falava-me alguém na arte tão humana que é a lentidão. Sim, sim, não me falava a mim directamente, que li num jornal. Mas se quem lá escreve, ou escreve um livro, ou canta um fado, não o faz sobretudo para mim, a quem é que se confessa? E era isso, paloma que não te conheço, que nunca te conheci, que te cruzarás comigo com uma improbabilidade matemática quase absoluta. Primeiro uma emoção, um frenesim - sempre sem joias, nem perfumes de frança, nem ovos fabergé. Um ardor na alma, um formigueiro no coração, um desvario nos olhos. Cucurucucu e lalala. E depois, paloma, paloma, a tal arte da lentidão, da elegância sem casacos de peles, do vagar sem belugas, da ausência de caxemiras. Nunca conheci nenhuma paloma, mas se a conhecesse era isto que lhe dava. A emoção e o comedimento. O kitsch e o fino. Uma mão firme que agarra uma mão, outra que ondula por cima do tempo finito. O riso e o sorriso. O beijo apaixonado, de boca toda aberta para receber o coração alheio, e uns lábios que roçam uma pele ardente de desejo silencioso, elegante mas não menos ardente. Tivesse eu uma namorada paloma e era isto que lhe oferecia. E ela havia de gostar, estou certo, porque vinha de mim e ninguém resiste a esta lenteza fina, educada, sonhadora. E a paloma, que eu não conheço nem conhecerei, não resistiria quando eu lhe cantasse ao ouvido de pasión mortal moria.
JdB
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