05 janeiro 2015

As escolhas de gi

Nas semanas que seguem, com uma periodicidade inexistente, publicarei algumas escolhas literárias / musicais / cinéfilas / do meu querido amigo gi. Num exercício que os destinatários só têm de agradecer, fez-nos chegar às mãos uma lista exaustiva - e suportada - daquilo que mais o impressionou no ano que passou. Começo com Daniel Jonas, curiosamente meu colega de seminários de mestrado (ele já no caminho para o doutoramento).

***

Lobo solitário, anti-poeta de certa maneira, DJ vem, ao longo dos anos, trilhando um caminho cada vez mais radical de afastamento do artifício, do efeito, da facilidade. Não se gosta da sua escrita, à primeira. Mas "Passageiro Frequente" não é um livro de circunstância, escrito só porque sim. Dir-se-ia que o autor repele, com uma certa frieza cartesiana, para melhor seleccionar "os leitores que valem a pena".

gi.



CANTONEIROS

A pura simetria dos cantoneiros

concordes na sintonia clássica

da sua dança, no modo como desmantelam

a embriaguez, induzem o vómito a caixotes

ou dispõem de bolas de plástico

e as lançam para a baliza ruminativa

sem tempo para comemorarem os golos.

Pulgas da quietude,
industriosos entre o mar de detritos,
fosforescentes noctilucos,
espectros a céu aberto,
ídolos de montureiros,
aclarando das margens as nuvens rentes
sob aguaceiros desabridos.

Acrobatas da morosidade

fúnebre do seu curso,

a cidade ignora-os

ou execra aquele féretro deletério

se apanhada no cortejo de ocasião.

[Daniel Jonas in Passageiro frequente, Língua Morta, 2013]

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