16 junho 2011

Moleskine

Viagens. Quis a natureza semi-aleatória das coisas que tivesse reservado a Basílica de S. Pedro para último lugar no meu recente périplo por Roma. Era a terceira vez que punha os pés no Vaticano, mas a sensação que me assaltou agora era-me desconhecida. Sou, como saberão os meus mais fiéis leitores, um católico convicto, fiel e seguro, se bem que imperfeito. Entrei naquele templo, a sede da minha igreja, cuja arquitectura e obras de arte foram esculpidas, pintadas e desenhadas por quem andou de mãos dadas com o divino - ou simplesmente com a genialidade - e senti-me num espaço de uma beleza infinda. Porém, não respirei qualquer vislumbre de espiritualidade, nem sequer consegui encontrar um canto onde me pudesse recolher para uma oração silenciosa. Talvez fosse o esmagamento da estatuária, a imensidão dos turistas, o ruído de fundo. S. Pedro é de uma beleza estonteante - mas escolham outra igreja se o que procuram é um diálogo mais íntimo com o transcendente.

Livros. Terminei mesmo agora Um promontório em Moledo (Bertrand Editora), um conjunto de crónicas escritas por António Sousa Homem e publicadas no Correio da Manhã. Cito da contracapa: (...) não o diz, mas sei que a longevidade dos Homem o aflige como um milagre da província. O segredo é só este: espremer a pasta de dentes pelo fundo, não ler demasiados romances, manter os retratos dos antepassados, levantar cedo e evitar ceder à indignação. O autor cita amiúde o velho Doutor Homem, meu Pai, um advogado profundamente anglófilo. Como poderia eu perder este livro?

Pensamentos. Cruzei-me no outro dia com uma frase atribuída a Garcia Marquez: a sabedoria, quando nos chega, já não serve para nada. Cito de cor, pelo que admito algum desvio, mais de forma que de conteúdo. Presumo que na cabeça do escritor estivesse a ideia óbvia de que a sabedoria, de que beneficiamos ao entrar nos últimos anos de vida útil, nos seria mais proveitosa quando tudo se inicia - a profissão e a família. Correndo o risco de ser o maçador que explica a anedota ou torna inteligível um trocadilho, permito-me sorrir com a frase e discordar discretamente. Dentro de algumas semanas escreverei sobre isto, mas adianto o raciocínio que ouvi em tempos tormentosos: o tempo não cura nada, o que cura é a qualidade do tempo. Foi a sabedoria - passe a presunção - da idade que tenho que me permitiu descortinar a verdadeira dimensão desta frase.

JdB

1 comentário:

Ana LA disse...

bom dia JdB
Fixei-me no livro. Estou desgraçada, porque não espremo a pasta pelo fundo e dificilmente controlo a minha indignação. Talvez a sabedoria dos antepassados e a qualidade do meu tempo compensem os anitos que estas duas me roubam.
Continuo a gostar de ler os seus desabafos.

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