30 janeiro 2012

Vai um gin do Peter’s?

É revigorante lembrar a história da Nobel da Paz birmanesa (em 1991), Aung San Suu Kyi, com uma vida riquíssima, misto de combatividade, solidariedade, idealismo, eivados de bondade, na senda dos ensinamentos de Gandhi. O filme «THE LADY - UM CORAÇÃO DIVIDIDO»(1) mostra o contributo heróico de Suu em favor da liberdade humana. Comprova o espaço de liberdade individual, mesmo nas situações mais críticas, além de mostrar quanto as pessoas podem fazer a diferença, suplantando, no médio prazo (no curto prazo, o mal costuma sobrepor-se), todas as adversidades. E esse é o ponto: o timing mais longínquo de realização das lutas superiores da humanidade. Daí a vantagem (mas não garantia de sucesso, ainda em vida) dos combatentes que acreditam para lá do visível, que esperam contra toda a evidência.

«You can’t separate peace from freedom because no one can be at peace
unless he has his freedom» (Malcolm X, 1965)


Há uns anos, um artigo da Time noticiava uma nova teoria em voga entre inúmeros médicos dos EUA, professando a tese de que os doentes que rezavam, alicerçados numa fé convicta, tinham maior probabilidade de cura. Embora a tese sobre o poder curativo da oração extrapole o campo da ciência, entende-se a raiz de tal ideia, sugerida pela vida de personalidades marcantes na História, como o Mahatma, fonte de inspiração para Suu.
Voltando ao filme: a grandeza humana de muitas personagens – em especial da Nobel e do seu marido, o catedrático britânico Michael Aris – corresponde q.b. ao que rezam as crónicas. Foram precisos vários anos até o argumento ficar completo e  incluir o testemunho directo de Suu e de outros opositores da junta militar birmanesa, com manifesto risco de vida.
A sua defesa da democracia e dos direitos humanos, na Birmânia, constituiu um desafio aberto aos líderes corruptos, cruéis e sem escrúpulos, que se arrastavam no poder, indiferentes aos resultados eleitorais (vitoriosos para Suu) ou aos milhares de protestos de todo o mundo, denunciando o regime de terror instaurado naquele lindo país, logo após o assassinato do pai da Nobel.
Os muitos epítetos por que se celebrizou – Mandela do Extremo Oriente, Orquídea de Aço, Dama de Ferro da Ásia– dificilmente fazem jus à generosidade da sua oposição contra uma das piores tiranias da actualidade, que durante décadas manteve a Birmânia (Myannmar) a ferro-e-fogo. Acredita-se que em Março de 2011, o novo Presidente terá iniciado um caminho de democratização e libertado Suu, pondo fim ao calvário de quinze anos de prisão domiciliária.


Sobretudo por mérito do marido, o combate da Nobel birmanesa internacionalizou-se num abrir e fechar de olhos, conseguindo cobertura mediática regular. Resultou também numa profusão de condecorações de prestígio, como o Prémio Sakharov para a Liberdade de Pensamento (1990), a Medalha Wallenberg (Suécia, 2011), os mais altos galardões dos Governos da Índia, do Canadá, da Venezuela, etc., eleita Personalidade do Ano pela revista Time nos anos 90, além de muitos outros reconhecimentos internacionais.


A figura franzina e elegante desta bonita oriental, filha de um general mítico, selvaticamente morto quando Suu tinha 3 anos, é bem expressiva do seu carisma invulgar, expoente da souplesse das asiáticas. Não estranhamos que Suu tenha estranhado os elogios rasgados de toda a imprensa internacional, convertendo-a em lenda viva. Simplesmente, poucas coisas podiam ser mais avessas à sua sensibilidade, cravejada de subtileza e de humildade, do que o culto de personalidade, tão do agrado dos media populistas. Nada daquilo era compatível com a lucidez firme que o seu combate exigia. Quando o marido lhe deu a notícia dos louvores escarrapachados nas primeiras páginas dos jornais, Suu desfiou logo o rol dos seus defeitos, a marcar bem quanto mantinha a consciência dos limites e até dos erros. 
É sublime o episódio de bravura de Suu a avançar desarmada para um pelotão de fuzileiros, com as espingardas apontadas a ela, incrivelmente surda às instruções de um general que a mandou parar, sob ameaça de morte. Mas vociferou em vão, porque a silhueta suave da birmanesa foi deslizando, impassível, ao encontro das armas. Quase irreal, na sua serenidade diáfana. Em todos os outros, a começar pelo general, a tensão era crescente. Enquanto a contagem era decrescente, com ordem para Suu estacar. Fim da contagem e contra-ordem de outro general para ninguém se atrever a disparar. Entretanto, a birmanesa já tinha percorrido todas as fileiras do regimento, com a segurança inusitada de um fantasma! A história correu como um rastilho pela Birmânia e pelo mundo, atestando a autoridade e o estatuto de combatente dos valores mais elevados. Estava tão acima do medo comum, que já nada a poderia deter! 

Manteve-se corajosamente fiel às suas convicções: 
«I will never change for a violent strategy

Na película, a cumplicidade muito amiga entre a Nobel e o marido confirmam-nos o potencial incrível do amor humano. A referência ao coração dividido, no título, alude à impossibilidade de acompanhar Mikey, nos últimos dias de vida, hospitalizado com cancro (1999). Se saísse, a junta militar nunca mais a deixaria regressar à terra pátria, onde a luta pela liberdade lhe parecia uma causa maior. Aliás, Mikey implorou-lhe que ficasse em Rangoon. Percebem-se as palavras com que a actriz principal sintetiza o filme: «an incredible love story that has political turmoil within’," referring to Suu Kyi’s relationship with her husband, Briton Michael Aris (23.Maio.2011). De facto, é uma história de amor, que parte dos mais próximos para alcançar toda a humanidade.


A intensa ligação aos filhos, apesar e para lá da distância geográfica, mostram a profundidade dos laços afectivos no seio de uma família multi-étnica. Acima de tudo, a história da heroína birmanesa devolve-nos a confiança na humanidade e no futuro, porque assume, com muito galhardia, a notável possibilidade de o bem vencer. É mesmo um filme vitamínico, apetecível para o primeiro mês do ano.



Maria Zarco
(a  preparar o próximo gin tónico, para daqui a 2 semanas)
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(1) FICHA TÉCNICA

Título original:
THE LADY
Título traduzido em Portugal:
THE LADY – UM CORAÇÃO DIVIDIDO
Realização:
Luc Besson
Argumento:
Rebecca Frayn
Produzido por:
Virginie Besson-Silla, Andy Harries, Jean Todt
Banda Sonora:
Eric Serra
Duração:
135 min.
Ano:      
2011
País:
França e Reino Unido

        Elenco:

Michelle Yeoh (Suu)
David Thewllis (o marido)
Jonathan Woodhouse  (um dos filhos)

Locais das filmagens:
Tailândia, Birmânia, Oxford, Londres, Paris.
Site:

http://michelleyeoh.info/Movie/thelady.html



1 comentário:

Anónimo disse...

Adoro o teu lado "heróico", MZ! Bjs. pcp

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