04 março 2016

Do pudor

"Sentimento de vergonha, de incómodo que se tem ao fazer,, ao enfrentar ou ao ser testemunha de natureza sexual; disposição permanente para esse sentimento." Ou ainda "incómodo perante aquilo que a dignidade da pessoa parece proibir." Esta definição, que tirei do livro História do Pudor que amigos com menos espaço iam deitar fora, já revela duas dimensões: o pudor corporal, sexual, ou pudor dos sentimentos, por um lado; pudor contingente ou permanente, por outro lado.

Olho para o que sou e para aquilo que, ao longo da vida, me permiti fazer ou me impedi de fazer. Por trás de muitas recusas não está a noção do bem ou do mal, do certo ou do errado. Estava acima, de tudo, um horror ao ridículo, que é uma forma de pudor. Muitos homens chegam à minha idade e encantam-se por raparigas novas, tantas e tantas com sotaques do Ceará ou de paisagens igualmente tropicais. Muitos são divorciados ou solteiros ou viúvos. Muitos não se importam de cumular raparigas novas (e, como diriam os brasileiros, "bota novo aí...") com presentes caros. O que me impede de seguir esse caminho? Em primeiro lugar não estou disponível; em segundo lugar? O medo do ridículo. 

O medo do ridículo - esse espécie de pudor dos comportamentos - é um poderoso controlo dos desvarios próprios. Umas pernas esguias, um corpo tentador, uma sotaque dengoso e um despudor no leito do amor esbrasam os mais frios e depravam os mais puros, como diria o Eça. A mim não? Sim, sim, talvez... Mas o ridículo! 

Ontem, num jantar relativamente informal, falava-se de bebedeiras. Eu contei uma história verdadeira, que me acompanha desde que fui aspirante a oficial miliciano em Abrantes. Numa noite particularmente mais animada, bebi de mais. Tinha 23 anos e uma bar recheado na messe de oficiais. Embebedei-me e a última coisa de que me lembro - para além da ressaca do dia seguinte - foi ter saído nos braços do comandante e segundo comandante. O que me afasta de beber de mais hoje em dia? Para além da educação, o medo do ridículo, o pavor de fazer uma triste figura. 

Falei de ridículo, quando comecei por falar de pudor. Numa análise muito repentista - afinal, estive num jantar onde também se provavam vinhos... - se ridículo e pudor não são irmãos são filhos de primos direitos. Será que o nosso pudor, na dimensão sexual ou relacionada com actividades mais íntimas, tem a ver com essa dimensão do ridículo, também?

Gostava de discorrer sobre o tema, mas estou cansado e são onze e meia da noite...

JdB 

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