03 março 2016

Crónicas de um potencial doutorando tardio

Chris Marker, Petit cinéma des rues ou les Mystères de Lisbonne

Em 1981, quando me sentei pela primeira vez nos bancos da faculdade de engenharia a cadeira que se ministrava era, parece-me, Resistência de Materiais. Ao fim de cinco minutos fiquei incomodado com a minha falta de acerto: devia estar na aula errada, porque não percebia nada do que o professor dizia. Aconteceu-me o mesmo passados mais de trinta anos ao sentar-me num banco da Faculdade de Letras. Só que desta vez sabia que estava na sala certa. Enfim, com décadas de permeio, a mesma ignorância.

Frequentar o Programa em Teoria da Literatura, no qual fiz o mestrado, levanta-me interrogações que só me poderiam ocorrer agora. Porque estudamos? Presumo que para sabermos mais. E para que queremos saber mais?

Olho à volta para os meus colegas de seminários. Alguns - diria mesmo a maioria esmagadora - têm idade para ser meus filhos, pois têm 24, 25, 26 anos. Um ou outro atira-se para a casa dos trinta e, estou certo, manifesta interiormente uma alegria imensa por ter um colega com 58 anos, porque o estatuto de nota dissonante já está entregue. Falamos de Stanley Cavell, falamos de Schiller, de Pascoaes ou de Santo Agostinho. Falamos de transcendentalismo, de supremo bem, de moralidade, não como um dever, mas como uma espontaneidade do instinto ou do coração, da relação entre educação estética e faculdades humanas, da conversão de S. Paulo, do amor a Deus. De que falamos, quando falamos disto? Falamos de temas, apenas?

Em 1981, o curso de engenharia era todo voltado para o meu futuro: durante três anos arrecadaria conhecimentos que me permitiriam ser um bom profissional de engenharia (passe a contradição em termos entre isso e o que eu sou...). Mais de trinta anos depois, os seminários a que assisto são uma espécie de puzzle que se vai completando com os temas que povoam a história da minha vida: o desafio da santidade. a aceitação da morte, a leitura como formação, mais do que como entretenimento, o sentido da vida, o exercício quase moral sobre este mistério que é existir. No fundo, uma luz que se derrama sobre muitos aspectos da minha vida e de outros, pese embora a dificuldade de entendimento de alguns temas. 

O que é a filosofia para um jovem de 24 anos? O que é, para um jovem de 24 anos, ouvir temas que se aplicam  - ou podem aplicar - à vida do dia a dia, à nossa relação com os outros, connosco próprios, com a ideia de eternidade ou santidade, alma bela ou ética e estética, o diálogo como Deus como forma de aprendizagem e mudança?  

Porque estudamos? Presumo que para sabermos mais. E para que queremos saber mais?

JdB

1 comentário:

Anónimo disse...


Doutorando tardio, para que queres saber mais? Apenas para te conheceres melhor.

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