15 dezembro 2010

Moleskine

Filme. Fui ver Dos Homens e dos Deuses, já comentado magistralmente aqui no Adeus... pela Maria Zarco (6 de Dezembro). Gostei muito e recomendo que seja visto, se não no cinema, talvez mais tarde em vídeo. Não me alongarei em comentários que seriam redundantes face ao que já aqui se publicou. Talvez resumisse o que me ficou na alma através de duas citações – uma do filme e a outra de um amigo, esta última proferida em circunstâncias diferentes. Num dos diálogos entre Christian e o monge-médico, com o ataque que se pressente muito próximo, este diz-lhe com uma tranquilidade cheia de confiança: estou preparado para morrer; sou um homem livre. Agora mesmo, ao escrever este post, e recordando o filme, veio-me à memória algo que me disse um amigo e que, embora num outro contexto, é totalmente replicável para o filme: é difícil resistir-se a quem gosta muito de nós. Dos Homens e dos Deuses fala de fé, de entrega, de paz, de próximo, de vários alguéns que perderam a vida para ganhar o mundo inteiro. Fala, sobretudo, de Amor. E a esse Amor resiste-se com dificuldade.

Lugares-comuns. Quase todos os dias a vida me brinda com o reforço desta certeza tão lapaliciana: a inteligência não é uma virtude, a falta dela não tem de ser um defeito.

Wikileaks. Saem notícias a conta-gotas relativamente ao nosso estimado país: disponibilidades banqueiras para espiolhar a finança iraniana, a necessidade de acarinhar o ministro Amado, comentários vários sobre os nossos políticos desinteressantes – alguns deles dinossáuricos -, observações incómodas sobre a visão da diplomacia quanto ao caso Maddie. Estamos no domínio dos assuntos públicos, pelo que estou resguardado. Temo, no entanto, que quando se esgotarem estes temas - ou se calçarem uns sapatos de betão ao senhor Assange - entrem pela devassa privada, pelo que faço, desde já, a minha confissão pública: beijei uma menor num vão de escada e havia pessoas ao lado a assistir. Para esvaziar uma potencial acusação de convite ao voyeurismo com quem não tinha a idade mínima, alego em minha defesa: éramos ambos menores e ela era profundamente feia. Estou perdoado?

Igreja. Já o devo ter dito aqui: até ao fatídico ano de 2001, a minha vida espiritual tinha o brilho das coisas baças. Limitava-me a respeitar os Domingos e dias santos de guarda (parece-me que a fórmula era esta) e pouco mais. Quando começou o vendaval, algo interno me levou a estar atento às homilias e às leituras. Por vezes era agarrado por uma frase apenas, um pensamento simples, uma luz diferente que se derramava sobre algo rotineiro. Era o bastante, e tentei passar este desafio a outras pessoas: fixar um conceito, uma ideia, um alinhamento de poucas palavras que eu sentisse serem ditas ou terem sido escritas exclusivamente para mim. De repente, tudo à minha volta ganhou um estatuto de diminuta importância: a incoerência entre o que os outros dizem e fazem, as pessoas que vão para ver e ser vistas, as mãos que se batem no peito próprio quando lá fora batem na vida alheia. Mesmo no meio de uma multidão, mesmo sentado por trás do crucifixo que ladeia o altar, sentir que Aquele olhar se voltava para mim era uma alegria imensa. Presunção ou conforto?

Música. Apenas nove minutos e seis segundos. Depois podem regressar ao que estavam a fazer que, estou certo, era infinitamente menos inspirador.



JdB

3 comentários:

Ana LA disse...

Bom dia JdB,
Também vi o filme e confesso que preferia que tivesse sido realizado por italianos. Parado, sem fotografia, mais preocupado com expressões do que com emoções e sentimentos.

Inteligência é de facto um construto difícil de definir e medir. Confesso que se me perguntassem se preferia viver numa ilha deserta com uma pessoa inteligente ou com uma esperta, preferia a segunda. Seríamos dois a desenrrascar.
Talvez um dia possa escrever sobre este tema ao som de Bobby McFerrin - http://www.youtube.com/watch?v=MpyrBRBRsLI

Have fun.

arit netoj disse...

Gostei muito do filme, transmite uma paz também irresistível... As imagens falam por si, tocaram-me profundamente - provocam a santidade.
O filme é uma beleza rara que inspira bons sentimentos.
Beijinhos e obrigada

Anónimo disse...

Ri-me imenso com o "seu" contributo para o WikiLeaks. Nada como o humor para nos ajudar a ver tudo melhor. E, baralhando os itens do Moleskine, achei giro confirmar como se aplicava a vários capítulos a frase felicíssima q. citou a propósito do filme «É DIFÍCIL RESISTIR-SE A QUEM GOSTA DE NÓS». Obrigadíssima ainda pelo brinde final ao som de Chopin. Bjs, MZ

Acerca de mim

Arquivo do blogue