24 julho 2015

Da impontualidade

Declaração de interesses 1: sou profundamente pontual. Declaração de interesses 2: sou obsessivamente pontual. Conto uma história que elucida: um dia fui com amigos a Sevilha aos touros. Já lá vai muito tempo, numa altura em que uma chamada de telemóvel era cara, sobretudo se envolvesse roaming. Combinámos o encontro na cafetaria do Corte Inglés, pelas 13 horas. A essa hora eu estava na cave, no supermercado, com um atraso previsível de três minutos. Pois telefonei a um deles a informar do atraso e da dimensão de. A chamada saiu de Sevilha, veio a Portugal e voltou a Sevilha de novo, não subiu 7 andares directo. 

Por um destes dias, via este blogue que recomendo fortemente, li um artigo sobre pontualidade, que me parece já ter vindo traduzido num jornal online português. Basicamente diz que os impontuais são gente optimista, pois pensam poder fazer mais coisas num espaço de tempo limitado; têm um pensamento grande, pois não se prendem às minudências da vida; são pessoas do momento, que gostam de cheirar as rosas e gozar o momento.

O artigo é um perigo, pois transforma um característica potencialmente negativa numa outra garantidamente positiva: quem se atreve a dizer que não ao optimismo, ao cheiro das rosas, ao big picture? A impontualidade - digo eu, que sou profunda e obsessivamente pontual - não é uma qualidade. Não se divide, como diz o artigo, numa impontualidade ok (aquela que não afecta o próximo) e numa impontualidade não ok (aquela que afecta o próximo). Pode dividir-se na dimensão - 15 minutos ou 1 horas - ou no impacto (grau de irritação que habita quem fica à espera, seja numa praia, numa esplanada, no fim de uma escada). 

Por outro lado, o artigo abre uma gama forte de possibilidades para justificar defeitos próprios. Imaginemos que eu sou profundamente egoísta. Quem se atreverá a dizer que não é um defeito. Eu! Eu atrevo-me! O egoísta é um cuidador da sua saúde e do seu bem-estar, pois devota-lhe uma atenção desmesurada; toma atenção à dificuldade dos dias, gastando o menos possível com os outros, potenciais delinquentes ou esbanjadores de dinheiro que custou a ganhar; tem forçasamente auto-estima elevada, porque só quem gosta muito de si pode estar a olhar permanentemente para o seu umbigo.

O exercício pode repetir-se para quem tem mau génio (treino das cordas vocais), quem tem tendências adictas (o consumo que dinamiza a economia) ou é de uma infidelidade matrimonial chocante (a generosidade altruísta da satisfação do ser humano feminino).

Desculpem qualquer coisinha. Ando de volta da tese e estes últimos dias pensei muito em confissão. Talvez esteja perturbado.

JdB    

2 comentários:

Anónimo disse...

A pontualidade britânica só existe porque há gente mal educada
SdB(I)

Luísa A. disse...

Obrigada, João. É apenas um blogue de arquivo, onde vou guardando referências do que se passa, tentando não ficar apenas a pairar no tempo. ;-)
Quanto à pontualidade, concordo plenamente. Tudo se resume ao respeito que temos ou não pelos outros.

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